quarta-feira, 9 de novembro de 2011

OUTER HEBRIDES (terceira parte)

No dia seguinte, frustração. Caia um chuva torrencial. Muito forte mesmo. Chuva muito forte logo pela manhã é desanimador. Você tem que se vestir de várias camadas  e ainda com o corpo quente da cama, sair para arrumar a bici embaixo de chuva.  Ainda escuro, porque embora tivesse amanhecido, as nuvens e a neblina, o vento incessante,  forneciam um ar fantasmagórico, amedrontador à paisagem. Não é por acaso que há tantos bons escritores ingleses e escoceses de mistério e tragédias. De personagens sombrios, paisagens lúgubres e tramas intrincadas. É só olhar pela janela afora em um dia chuvoso  e a inspiração vem correndo.
Não se imagina pedalar, apreciar a paisagem, passear, sequer conversar coloquialmente em um dia assim. Não é nada  convidativo. Se fizer 8ºC como nesse dia então, nem se fala. Sem contar a sensação térmica de muito menos, causada pelo vento gelado e úmido que vinha do mar. Parecia que os vagalhões empurravam a massa gelada de vento e respingos de água com violência para fora, em direção à terra, como se estivessem raivosos por algum motivo. Os vagalhões vinham até à praia, furiosos e recuavam, no que parecia ser um ritual tenebroso.  É diferente de estar pedalando e começar a chover. Então o ânimo redobra. A chuva escorrendo pelo corpo aquecido do esforço reanima, ativa as forças, provoca uma sensação de euforia inexplicável. Mas iniciar a pedalada com chuva e frio logo após acordar  é desanimador. Olhei para meus companheiros. Eu não queria dizer que não gostaria de ir, eles também não. Ficamos um tempo sem falar nada, em silêncio,  olhando a chuva e as bici encharcadas. Aí um de nós falou: - É, acho que hoje não vai dar. E todos concordamos rapidamente. Voltamos para a varanda envidraçada e aquecida, tomamos aliviados mais um café, observando confortavelmente instalados em nossas poltronas, a longa praia castigada pelas ondas e pelo vento.  Decidimos sair de carro em direção ao norte da ilha. A Catherine nos sugeriu Stornoway (Steornabhagh) , onde ficam as Pedras de Callanish (Callanish Standing Stones).


   

Chega-se fácil ao local, partindo de Stornoway. É bom andar nessas ilhas. Não há como se perder. Há apenas uma estrada. O local é discretamente sinalizado e há uma loja de conveniência que vende souvenirs e oferece informações turísticas. A construção obedece ao formato das antigas casas escocesas, de eras pré- Celtas e Druidas, com o teto arredondado, em forma de chapéu chinês, construído em ardósia.
                                             


Após uma caminhada de forte subida, pode-se entrar no sítio e andar entre as pedras. A vista lá de cima é impressionante. É no alto da colina mais alta e a vastidão que se vê, de vários lagos azuis  ao longe, preenchendo os vales, de outros picos mais baixos, sulcados por cachoeiras e pequenos riachos espumosos, aliados à quietude, ao vento constante e ao clima sagrado do local, criam um efeito quase hipnótico, de respeito tácito e de reverência. As Pedras são enormes blocos dispostos segundo os pontos cardeais, com um círculo central de blocos menores. No meio do círculo central tem um poço de água, usada provavelmente nos rituais sagrados. O sítio foi criado por um povo chamado Pictos, provavelmente descendentes de aborígenes pré-célticos. Há poucas informações desse povo. Não se sabe o que adoravam nem a que se prestava esse tipo de local. Sua primeira referência é do ano 297, por um historiador romano escrevendo que os povos Pictos e Scots viviam continuamente atacando os romanos além do muro de Adriano. Foram denominados Pictos pelos romanos (Picti=pintados) devido às  tatuagens e pinturas com que se adornavam. Os Pictos e os Scots foram unidos posteriormente em um só reino, formando a hoje Escócia. São lembrados pelas torres de pedra entalhadas e pelas casas subterrâneas feitas de rocha. Veem-se casas de veraneio feitas assim, com o teto dando continuidade ao solo, coberto de grama, frequentemente com cabras pastando em cima. A vista dessas casas semi-enterradas, com vista para o mar ou para um vale com um lago azulado, com ovelhas pastando em volta e em cima, é de uma paz relaxante,  paradisíaca.
Por sorte quando chegamos a Stornoway a chuva havia passado e o tempo estava calmo, embora o vento frio castigasse bastante, apesar dos agasalhos adequados. Mas pudemos observar e passear calmamente por todo o local. Passamos o dia pelas redondezas e retornamos a Tarbert, ao conforto do B&B da Catherine.