quarta-feira, 30 de novembro de 2011

OUTER HEBRIDES (quarta parte)

"Ó banho de luz, tão puro,
Na paisagem familiar:
Meu chão, meu poste, meu muro,
Meu telhado e a minha nuvem,
Tudo bem no seu lugar."(Mario Quintana)
No dia seguinte partimos bem cedo para tomar o ferry para Uig (Uige)  na ilha de Skye (Ant- Eilean Sgitheanach). Estávamos deixando as ilhas Hébridas Ocidentais (Outer Hebrides). 
O horário de partida, ou melhor, o último horário para o embarque é 6:45h.  Não sei se os escoceses são rigorosos como os ingleses, mas não convém experimentar. Chegamos com alguma folga no tempo. A travessia de ferry é feita em 1h e 40m. Fui dormindo, envolto no xale cor-de-rosa da minha companheira, lembrando de certa forma o príncipe Charles Edward Stuart que quando derrotado, partiu para a ilha de Skye disfarçado de dama de companhia de Flora MacDonald (Esta escocesa nascida nas Hébridas Ocidentais ajudou na fuga o pretendente Stuart ao trono inglês, derrotado na batalha de Culloden em abril de 1746, vencida pelos ingleses. Ele havia se refugiado nas Hébridas e precisava retornar ao continente. Ela o acolheu em sua comitiva no regresso das Hébridas para a ilha de Skye, encondendo-o disfarçado como dama de companhia). Acordei na chegada, com a gozação e risadas de minha irmã e meu cunhado. Ao chegar em Uig e começar a pedalar, deparamos com uma subida íngreme e longa, sofrida, mas com um presente magnífico no topo: a visão de Portree (Port Righ),  uma pequena cidade portuária, com suas casas coloridas, inúmeras gaivotas brancas, ao lado do mar azul, colorido de pequenos barcos de pesca. Parece uma visão de outro tempo, que emergiu do passado
Em Portree ficamos no Bruach-Na-Frithe, B&B da Norma e do Bob, um casal simpático e prestativo. O Bob é bancário, falante e agitado. Ele logo avisa, enquanto afrouxa a gravata ao chegar do trabalho:- Não me falem de assuntos financeiros. Deve chegar exausto no final do dia. Chegamos cedo e paramos em seu quintal, aparentemente sua garagem. Não havia espaço ao lado para estacionar.  Havia apenas dois quartos para alugar e ocupávamos os dois. Nossa reserva dizia que poderíamos entrar às 4 da tarde. Eram aproximadamente 11 horas. Pensamos em deixar nossas coisas no quarto, tomar um banho e sair para almoçar e passear. Quando nos viu, a Norma disse sorridente: Nossa, vocês já chegaram? Eu os esperava às quatro. -Pois é, chegamos mais cedo. Gostaríamos de deixar nossas coisas e ir almoçar. Que horas poderemos entrar? É claro que esperávamos que ela dissesse: Bem, é pra ser às quatro mas já que estão aqui, etc. mas ouvimos um firme, sonoro e sorridente: -Às quatro. (!) Assim são os escoceses. Têm alguma coisa de inglês neles, sim.
Fomos almoçar à beira do porto, num restaurante simples e pequeno. Os frutos do mar e os peixes eram simplesmente deliciosos. Não há frutos do mar como os do mar do norte. São saborosos, de consistência firme porém tenra.  Praticamente sem tempero, apenas feitos no ponto certo de cozimento.                                                                          
                                                                           

E finalmente chegou o grande dia, jantaríamos no Kinloch Lodge, do festejado chef Marcello Tully. Um brasileiro, primeira e única estrela Michelin da Ilha de Skye. Havíamos feito a reserva com meses de antecedência, estudado o cardápio e a carta de vinhos e não víamos a hora de degustar aquelas maravilhas. A viagem de Portree ao Kinloch Lodge é de aproximadamente uma hora de carro. Também  na ilha de Skye só há uma estrada;  toma-se o sentido sul e após uns 40 km  entra-se à direita, em direção a Armadale. A uns 10 km antes da vila, está o Lodge, à esquerda.
O hotel é uma construção ampla, imponente, pintada de branco e o restaurante em mesmo estilo é separado. A entrada do restaurante é simples. Há um hall com cabides para os casacos, um espelho grande, um console modesto com a desejada e rara estrela do guia Michelin solitária, quase desleixada sobre o móvel. Peguei com cuidado e respeito a estrela dourada, sobre um pedestal pequeno de granito, para observar melhor. Há um bar pequeno e uma sala ampla ao lado, com a lareira sempre acesa, sofás e poltronas enormes e confortáveis, com iluminação adequada, sóbria. Foi ali que tomamos nosso drink e aguardamos nossa mesa. Pedi um “smoking guns”, uma improvável mistura de rum da Jamaica, Calvados,  uísque single malt-claro e suco de maçã verde, com pequenos pedaços da fruta. Estava bom, harmônico, não era doce e podia-se perceber a presença de cada ingrediente. O bartender estava à altura do restaurante. O jantar, apesar de nossas expectativas, surpreendeu. Pratos sofisticados mas nada rebuscados, até simples. O equilíbrio e a mescla de sabores é que ressaltava. Inesquecível. Pedimos para conhecer o chef. Ele foi bem receptivo, apesar da correria que é a cozinha de um restaurante famoso, sempre cheio. E ele nos levou para ver a cozinha, conversou e tirou fotos conosco. Quando falamos que é muito famoso no Brasil, ele ficou surpreso, disse que achava que era apenas um brasileiro perdido no interior da Escócia.
                                                                             
A saída da Portree é movimentada, tem-se que ir com cuidado. De bici tem-se que respeitar as mesmas regras do carro. Andar pela esquerda (!) Tem  que redobrar a atenção. Após sair da cidade, segue-se pela auto-estrada aproximadamente 15 km, depois entra-se à direita. Há inúmeras placas indicando a destilaria, e o padrão da estrada é o mesmo. Estreita, com pouco movimento, com colinas de pouca inclinação, com ovelhas e rochas em ambos os lados.  Mais uns 50 km e chega-se à destilaria. É um edifício branco, menor do que eu supunha, em frente a um lago. Fica sobre uma das fontes de água usadas para fazer o néctar delicioso que produzem. A água corre pelas colinas entre o granito e a turfa, recebendo os ventos salgados do mar. Por isso é inigualável. Não se consegue fazer um uísque igual fora da Escócia. Já houve inúmeras tentativas. Não dá certo. Houve casos de se importar toda uma destilaria, transportar a água, a turfa, os artesãos e não se fez um uísque bom igual. Há mais que simples ingredientes em um bom uísque.
A destilaria possui apenas seis alambiques, quatro pequenos e dois maiores. O controle de qualidade da água e da destilação é constantemente feito por um artesão. Ele não se distrai um minuto. Nem mesmo quando a guia se referiu a ele, citando seu nome, ele desviou a atenção dos relógios, dos equipamentos. A maior parte da produção da Talisker, aproximadamente 80%,  vai para os fabricantes de blends, como Johnnie Walker, etc. Apenas menos de 20% vai ser envelhecido e depois engarrafado como uisque single malt. Depois do tour pela destilaria fomos  ver a adega onde os barris ficam armazenados. Há uma perda considerável pela evaporação do álcool nos uísques envelhecidos nos barris. Chega a 30%. Eles chamam essa perda de angel’s share (a porção  dos anjos). É mais um motivo do alto custo dessas bebidas envelhecidas. A destilaria e a redondeza tem cheiro de turfa. A turfa é tão presente na ilha e tão intensa que minha irmã, numa dessas paradas da pedalada para descansar, ao pisar no solo molhado próximo a um lago e uma fonte, disse:- Humm, que cheiro de uísque. Não havia destilarias por perto, nem casas, nada. Ela sentia o cheiro da turfa, da água da fonte, do terroir. As fontes e lagos da Escócia têm cheiro de uísque, de turfa. Almoçamos à beira do lago, numa pracinha em frente à destilaria, embaixo de uma árvore. Comemos pães, queijos, frios, peixes defumados e tomamos vinho chablis premier cru de bom produtor, que custa baratíssimo.
No dia seguinte, saímos de Portree para tomar o ferry em Armadale para Mallaig, no continente.  Mesmo caminho do Kinloch Lodge.  Era nosso último trecho de pedalada. Infelizmente.  Deixaríamos as ilhas e deixaríamos a Escócia. São 68 km. O último horário para embarcar é às 14:30h, portanto deve-se ir pedalando de forma contínua, sem muitas paradas, mas cheirando e afagando com o olhar esses últimos quilômetros dessa terra mágica, encantadora, apaixonante que é a Escócia.
Depois, em Mallaig devolvemos as bicis. O Ben estava nos esperando no porto. Na verdade vimos o furgão da loja mas não o vimos. Após algum tempo ele apareceu com um embrulho nas mãos. Vinha sorridente: -Fui comprar peixes frescos para minha mulher. Ela gosta dos peixes daqui.( Assim é o Ben). A estrada de Mallaig a Fort William é tida como uma das mais belas que existem. São 69 km.É uma estrada normal, mais larga, de duas pistas, movimentada. A diferença está na vista, na paisagem. Fomos bem devagar, parando para tirar fotos dos vales bem verdes, dos lagos azuis, das montanhas riscadas de branco pelas cachoeiras abundantes.


Em Fort William ficamos no Myrtle Bank Guest House. O mais confortável da viagem, porém impessoal. Dirigido por uma gerente atenciosa mas bem profissional, parecendo um hotel mesmo. Fort William é uma cidade de médio porte, limpa, bem cuidada, com jardins floridos, à beira de um lago(Loch Linnhe), circundada de colinas altas. No dia seguinte rumamos para o aeroporto de Glasgow, onde embarcaríamos de volta.
O saldo desta viagem foi muito bom. O clima um tanto inóspito já era esperado. E as distâncias pedaladas são curtas para um ciclista, mas a beleza das estradas compensam. Não há mesmo como pedalar rápido, não se consegue desviar a atenção, não dá para se ensimesmar, como acontece nas longas pedaladas, quando o pensamento se volta às profundezas da alma por um longo tempo. A atenção fica na paisagem. Há embevecimento apenas. É por isso que as Ilhas Hébridas figuram como um dos paraísos dos ciclistas. 
                                                                     
    
                         
                                  

                                                                                       
                                                                            
                                                                                                                                               
                                                           
                                                        

                                                                       


                                                               

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

OUTER HEBRIDES (terceira parte)

No dia seguinte, frustração. Caia um chuva torrencial. Muito forte mesmo. Chuva muito forte logo pela manhã é desanimador. Você tem que se vestir de várias camadas  e ainda com o corpo quente da cama, sair para arrumar a bici embaixo de chuva.  Ainda escuro, porque embora tivesse amanhecido, as nuvens e a neblina, o vento incessante,  forneciam um ar fantasmagórico, amedrontador à paisagem. Não é por acaso que há tantos bons escritores ingleses e escoceses de mistério e tragédias. De personagens sombrios, paisagens lúgubres e tramas intrincadas. É só olhar pela janela afora em um dia chuvoso  e a inspiração vem correndo.
Não se imagina pedalar, apreciar a paisagem, passear, sequer conversar coloquialmente em um dia assim. Não é nada  convidativo. Se fizer 8ºC como nesse dia então, nem se fala. Sem contar a sensação térmica de muito menos, causada pelo vento gelado e úmido que vinha do mar. Parecia que os vagalhões empurravam a massa gelada de vento e respingos de água com violência para fora, em direção à terra, como se estivessem raivosos por algum motivo. Os vagalhões vinham até à praia, furiosos e recuavam, no que parecia ser um ritual tenebroso.  É diferente de estar pedalando e começar a chover. Então o ânimo redobra. A chuva escorrendo pelo corpo aquecido do esforço reanima, ativa as forças, provoca uma sensação de euforia inexplicável. Mas iniciar a pedalada com chuva e frio logo após acordar  é desanimador. Olhei para meus companheiros. Eu não queria dizer que não gostaria de ir, eles também não. Ficamos um tempo sem falar nada, em silêncio,  olhando a chuva e as bici encharcadas. Aí um de nós falou: - É, acho que hoje não vai dar. E todos concordamos rapidamente. Voltamos para a varanda envidraçada e aquecida, tomamos aliviados mais um café, observando confortavelmente instalados em nossas poltronas, a longa praia castigada pelas ondas e pelo vento.  Decidimos sair de carro em direção ao norte da ilha. A Catherine nos sugeriu Stornoway (Steornabhagh) , onde ficam as Pedras de Callanish (Callanish Standing Stones).


   

Chega-se fácil ao local, partindo de Stornoway. É bom andar nessas ilhas. Não há como se perder. Há apenas uma estrada. O local é discretamente sinalizado e há uma loja de conveniência que vende souvenirs e oferece informações turísticas. A construção obedece ao formato das antigas casas escocesas, de eras pré- Celtas e Druidas, com o teto arredondado, em forma de chapéu chinês, construído em ardósia.
                                             


Após uma caminhada de forte subida, pode-se entrar no sítio e andar entre as pedras. A vista lá de cima é impressionante. É no alto da colina mais alta e a vastidão que se vê, de vários lagos azuis  ao longe, preenchendo os vales, de outros picos mais baixos, sulcados por cachoeiras e pequenos riachos espumosos, aliados à quietude, ao vento constante e ao clima sagrado do local, criam um efeito quase hipnótico, de respeito tácito e de reverência. As Pedras são enormes blocos dispostos segundo os pontos cardeais, com um círculo central de blocos menores. No meio do círculo central tem um poço de água, usada provavelmente nos rituais sagrados. O sítio foi criado por um povo chamado Pictos, provavelmente descendentes de aborígenes pré-célticos. Há poucas informações desse povo. Não se sabe o que adoravam nem a que se prestava esse tipo de local. Sua primeira referência é do ano 297, por um historiador romano escrevendo que os povos Pictos e Scots viviam continuamente atacando os romanos além do muro de Adriano. Foram denominados Pictos pelos romanos (Picti=pintados) devido às  tatuagens e pinturas com que se adornavam. Os Pictos e os Scots foram unidos posteriormente em um só reino, formando a hoje Escócia. São lembrados pelas torres de pedra entalhadas e pelas casas subterrâneas feitas de rocha. Veem-se casas de veraneio feitas assim, com o teto dando continuidade ao solo, coberto de grama, frequentemente com cabras pastando em cima. A vista dessas casas semi-enterradas, com vista para o mar ou para um vale com um lago azulado, com ovelhas pastando em volta e em cima, é de uma paz relaxante,  paradisíaca.
Por sorte quando chegamos a Stornoway a chuva havia passado e o tempo estava calmo, embora o vento frio castigasse bastante, apesar dos agasalhos adequados. Mas pudemos observar e passear calmamente por todo o local. Passamos o dia pelas redondezas e retornamos a Tarbert, ao conforto do B&B da Catherine.
                                                                                                                                                                                                                               
                                                                
                                                                              

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

PÊSSEGOS AO MARSALA

"As quatro estações que seguem
Separam-se de tudo o que eu penso,
Mentem a tudo o que eu sinto,
São do contrário do que eu sou..." (Fernando Pessoa)
Os pêssegos perfumados, doces, suculentos chegaram com a primavera. A receita é do site Panelinha, da Rita Lobo. Mesmo sem o acompanhamento de mascarpone (não encontramos no supermercado) fica muito bom e bem menos calórico.
                                                              
PÊSSEGOS AO MARSALA (só um pouquinho modificado daqui)
INGREDIENTES: (para 4 pessoas)
1 xícara chá de vinho Marsala
2 colheres de sopa de açücar mascavo
2 colheres de suco de laranja
4 pêssegos frescos
raspinhas de 1 laranja
MODO DE FAZER:
1. Numa tigela, junte o vinho, o açúcar mascavo e o suco de laranja e misture até dissolver o açücar.
2. Descasque os pêssegos e coloque dentro da tigela com o vinho. Deixe -os macerrando por 20 minutos, virando-os de vez em quando.
3. Em uma panela grande coloque os pêssegos e a calda e leve ao fogo. Deixe a calda ferver, abaixe o fogo e cozinhe por 2 a 3 minutos, virando e regando os pêssegos com a calda. Cuidado para não  cozinhá-los demais.
4. Retire do fogo, transfira para una tigela, deixe esfriar e guarde na geladeira.
5. Sirva os pêssegos em tigelinhas individuais com um pouco da calda e com as raspinhas da laranja.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

OUTER HEBRIDES, SCOTLAND (segunda parte)

"Fàilte. Ciamar a tha sibh?"(Bem-vindo. Como vai?)
As ilhas que compõe  as Hébridas são pequenas, pouco populosas e os ferrys geralmente partem apenas uma vez ao dia. Quando se perde o ferry, só no dia seguinte, se houver lugar. E um aviso aos afoitos: o mar do Atlântico Norte é muito gelado para nadar. Decidi fazer a rota sul-norte, por causa do vento que habitualmente sopra nesse sentido. Já sofri muito no Canadá e na Nova Zelândia com os ventos contra. A travessia de Oban a Castlebay é feita em 5 horas. No Castlebay Hotel fomos atendidos pela Jessica. Uma moça bem jovem, ruiva, cheinha, pele bem branca, vestida com uniforme preto, sorridente e prestativa. Ela cuidava do hotel, do bar e do restaurante. Sempre correndo. Mas chegamos tarde para o jantar. Comemos pão, queijos e frios no quarto.


                                                                     
No dia seguinte saímos cedo, morrendo de vontade de pedalar. Fomos, minha irmã, meu cunhado e eu de bici e minha companheira foi dirigindo, saindo mais tarde. Do hotel até o porto de Ardmhor (Aird Mhòr) , onde tomaríamos o ferry para a Ilha de Eriskay (Eirisgeigh), são aproximadamente 15 km. Confesso que fomos bem devagarzinho, comendo a paisagem com os olhos. Pedalamos ao lado do mar o tempo todo. À direita, colinas rochosas escaladas sempre por ovelhas que paravam curiosas quando passávamos.
                                                               
Os campos, entre o mar e as colinas, são floridos mas de cores muito diferentes das que vemos habitualmente. São flores bem douradas, outras roxas, outras vermelhas, amarelas, azuis. É muito impressionante. O sol da manhã refletindo no mar azul, com a areia das praias bem brancas, aquele campo florido, reluzente, multicolorido e a estradinha estreita era emocionante. Havia uma brisa fresca no rosto. Minha irmã se emocionou às lágrimas com tanta beleza. Em determinado momento olhou para mim sem dizer nada e balançou a cabeça, embargada de emoção, enquanto pedalava. Ficamos em silêncio, em respeito total àquele espetáculo único da natureza, pedalando devagar.
                                                                           
O embarque das bici no ferry é tranqüilo. Apeia-se e se as empurra até um local já definido. Logo depois minha companheira chegou, sorridente, feliz com as fotos que havia tirado no percurso. A viagem de Ardmhor `a ilha de Eriskay é curta, 40 minutos. Pegamos nossas bicis e seguimos. A estrada inicial, de uns 2 km  é uma caseway, aquelas estradas elevadas feitas sobre águas rasas que liga as ilhas. Era uma estrada estreita e como ventava um pouco, podíamos sentir os respingos do mar. Ao término desta caseway, entra-se na ilha de South Uist (Uibhist A Deas). Segue-se no mesmo padrão de estrada até Bebencula (Beinn Na Faoghla) aproximadamente 50km. A estrada é bem pavimentada, muito estreita, sem acostamento, para apenas um carro. Há, a intervalos regulares, pequenas áreas pavimentadas em forma de meia lua, para se parar e aguardar o carro que vem em sentido contrário passar. Se a área estiver à esquerda é você que deve parar e dar passagem. Se estiver à direita, pode ir que o outro vai parar.  Em nenhum momento vi alguém desrespeitar essa regra. Mesmo de bici, os carros param e esperam, pacientemente, você passar.
Esse trecho é diferente do anterior. É bem plano, há poucas colinas, poucos campos floridos, não se veem construções, nem animais. Não chega a ser monótono porque a proximidade do mar e a estradinha sinuosa dão prazer em pedalar. De Bebencula a Berneray(Beàrnaraigh) são 45 km de caseways, estradinhas bem estreitas passando por fazendas. O terreno é irregular, com aclives e descidas longos embora não muito inclinados. De Berneray a Leverburg(An  t-Ob) é uma hora de ferry. Em Leverburg há um mercadinho logo no desembarque, bom para se abastecer de água, pão e frutas.  A pedalada volta a ficar belíssima, com o mar à esquerda, colinas rochosas à direita e campos floridos. As praias são imensas. Não resisti, passei pela cerca e comecei a pedalar na praia, indo longe, mais de um quilômetro em direção ao mar e ainda na areia.
Estávamos chegando em Tarbert (An Tairbeart), a 34km, onde ficaríamos no B&B  Beul na Mara da Catherine, uma simpática senhora entre seus 75 e 80 anos. Ela cuidava sozinha da casa. Tinha três quartos para alugar. Os quartos eram arejados, com roupa de cama e banho de boa qualidade, cheirosos e a limpeza era impecável. O café da manhã era servido em uma varanda envidraçada com vista para uma daquelas praias imensas. Não dava vontade de sair dali. A Catherine era orgulhosa de seu Porridge, um mingau de aveia salgado. Também servia a pedidos, bacon , salsicha e ovos fritos na hora, tomate e cogumelos assados. Era um bom café da manhã.